segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Uma abordagem cuidadosa, mas sem traumas


A sexualidade em pessoas com deficiência intelectual deve deixar de ser tabu e alvo de preconceitos para melhora da qualidade de vida

Por Lucas Vasques / Fotos Divulgação


Uma conquista familiar à custa de muito trabalho e bom senso, que tem por objetivo a construção da identidade do filho. Desta forma, o psicoterapeuta e educador Fabiano Puhlmann Di Girolamo resume o caminho que os pais de pessoas com deficiência intelectual precisam percorrer quando o assunto é a sexualidade dos filhos.
O médico, que também é especialista em Sexualidade, Integração Social e Psicologia Hospitalar de Reabilitação, explica que não há uma receita para se tratar o tema polêmico. “O desenvolvimento das pessoas com deficiência intelectual é muito variável. Não há um padrão, pois existem casos em que o paciente tem grande autonomia, sem problemas físicos, como disfunções sexuais ou orgânicas, e outros que se apresentam apenas com dificuldade de ansiedade, além de um terceiro tipo, com limitações múltiplas.”
Fabiano conta que o ideal é que, além de contar com apoio em casa, a pessoa com deficiência intelectual se submeta à terapia sexual. “Tudo com o objetivo de facilitar sua transição da fase de adolescente para adulto, com noções teóricas em relação ao seu corpo e como lidar com essas novas emoções e reações físicas. Afinal, dependendo do grau de limitação, a pessoa nem sempre sabe conduzir sozinha a questão. Por isso, é importante esse cuidado desde pequeno.”
Um fator importante que deve ser obervado, primeiramente, é como a família se porta em relação ao assunto. “É necessário verificar em que estágio se encontra a sexualidade dos pais, de modo geral, como eles tratam do tema com os outros filhos, caso tenham, e como enxergam isso em relação à deficiência”, revela.
Esse processo de acompanhamento do despertar para a sexualidade do filho, geralmente, segundo o médico, recai sobre as mães.

Para Fabiano Puhlmann, o ideal é que, além de contar com apoio em casa, a pessoa se submeta à terapia sexual

Fabiano Puhlmann alerta que a repressão, isoladamente, pode trazer graves consequênciase
“Os pais costumam ficar fora disso. E é difícil para a mulher. Por isso, se torna tão importante a ajuda terapêutica especializada.”
Outra barreira a ser transposta se refere ao preconceito e ao tabu que o assunto sempre despertou. “Os pais e cuidadores, de maneira geral, precisam aprender a lidar com essa transição de forma tranquila, para identificar e transmitir limites nas manifestações sexuais dos filhos. Afinal de contas, nem sempre eles têm discernimento para não empreender determinadas práticas em público, por exemplo, ou agir de forma equivocada.”
A repressão, isoladamente, pode trazer graves consequências. “Por conta do preconceito e da dificuldade em lidar com tabus, os pais, muitas vezes, simplesmente reprimem as primeiras manifestações sexuais dos filhos, sem maiores explicações, inclusive de maneira agressiva. Essa forma de atuação faz com que o filho represe a energia e perca criatividade e espontaneidade, que vêm com essa energia, além de se tornar uma pessoa ansiosa e com tendência ao isolamento. A repressão, em si, gera patologias e faz com que a pessoa reproduza essa ação no futuro ou adquira um comportamento sexual marginal, como pedofilia e outras distorções.”
Fabiano volta a frisar a importância da orientação correta, também nos casos inversos à repressão exagerada. “Em geral, os adolescentes com deficiência intelectual não têm percepção do preconceito, não conseguem compreender as mudanças que estão ocorrendo com eles mesmos”. Seguem seus instintos. “Por isso, via de regra, eles beijam todas as pessoas, demonstram carinho exageradamente e podem, inclusive, se expor publicamente.” Por isso, os familiares precisam ser firmes, mas com segurança e bom senso.
Nos casos de relacionamento duradouro, o médico defende a autonomia dos filhos com deficiência intelectual, desde que o grau de limitação permita. Nas situações em que a evolução seja significativa e o namoro acabe em casamento, como ocorre em muitas oportunidades, a estratégia deve ser muito bem pensada.
“Além da orientação para prevenção de gravidez indesejável, é necessário se preocupar com outros fatores. O dia a dia de uma união não se resume somente à convivência afetiva e sexual. Há a necessidade de se administrar a questão financeira, por exemplo. Esses quadros exigem a participação efetiva dos pais, ao contrário dos casamentos convencionais”, conta Fabiano.
DesafioLuciana N. Carvalho, pediatra e psiquiatra da infância e adolescência, em Belo Horizonte, Minas Gerais, afirma que a coragem de enfrentar o tema da sexualidade para as pessoas com transtornos intelectuais, de maneira geral, e não apenas para os pacientes com essas limitações, se torna um desafio para os pais quando o interesse pelo outro sexo e as mudanças corporais começam a desabrochar.
“Em relação, especificamente, aos adolescentes com deficiência cognitiva, soma-se a vulnerabilidade da falta de compreensão ao que está ocorrendo e a fragilidade de defesa em uma sociedade extremamente violenta. Os pais devem ser alertados pelos profissionais que cuidam de seus filhos ao risco que estes estão submetidos de uma possível agressão e ao assédio sexual. As meninas, muitas vezes, apresentam um corpo de mulher, mas a idade mental está abaixo de 10 anos. Aos pais, recomendamos uma boa opção por escolas e locais que não deixam os adolescentes sozinhos, além da confiança também em relação aos cuidadores escolhidos.”

Luciana Carvalho: “O tabu e o preconceito sempre andam de mãos dadas quando o assunto é sexualidade”
O tabu e o preconceito também são abordados pela médica. “Ambos sempre andam de mãos dadas quando o assunto é sexualidade, principalmente, se for com crianças e adolescentes com deficiência, vítimas recorrentes da exclusão em nossa sociedade”, relata Luciana.
Para Luciana Carvalho, a abordagem da sexualidade pelo profissional que cuida das crianças alivia os pais
Para ela, a menstruação é um incômodo permanente e, muitas vezes, se torna um fator de piora da ansiedade e de comportamentos agressivos. “Os pais devem procurar um especialista da área ginecológica (se for menina) para avaliar os benefícios e os riscos do uso de anticoncepcionais, no intuito de funcionar como um fator de proteção no caso de um possível abuso sexual. Estas orientações devem fazer parte das primeiras entrevistas com os pais ou tão logo a menina menstrue.”
No caso dos meninos, também há particularidades. “A masturbação é muito presente como fator de queixa dos pais que se sentem constrangidos diante da inadequação de muitos adolescentes. A orientação verbal para que a criança ou o adolescente se masturbe somente quando estiver sozinho, em seu quarto ou no banheiro, deve também fazer parte do manejo clínico das entrevistas familiares. Em muitos quadros, a situação foge ao controle e a prescrição de ansiolíticos é um recurso a ser usado.”
A abordagem das questões próprias da sexualidade pelo profissional que cuida das crianças alivia os pais, de acordo com Luciana, e melhora a qualidade de vida dessas crianças e adolescentes, que já vivem sob a sombra da exclusão. “Entretanto, é sempre bom lembrarmos que filhos com deficiência funcionam sempre como uma ferida aberta dos pais e a abordagem, por mais delicada que seja, sempre dói”, finaliza.
Orientação especializada
A tese dos profissionais sobre as dificuldades que os pais encontram em lidar com o tabu provocado pela sexualidade em pessoas com deficiência intelectual é ratificada pelo depoimento de Rita de Cássia Oliveira Lírio, mãe de Josiane Lopes de Oliveira. Ela mesma admite o problema e reconhece a importância de um acompanhamento terapêutico. “Na verdade, fui mãe muito jovem e, em função de desconhecimento e do próprio preconceito, nunca fui de falar sobre sexo com a minha filha. Por isso, procurei auxílio da Avape, que conta com pessoas especializadas no assunto e que sabem abordar essas questões.”
Josiane tem 30 anos e sofre de esquizofrenia e deficiência intelectual, que provoca convulsões e falhas de memória esporádicas. “Das 12 às 17 horas, ela participa de inúmeras atividades na Avape e, inclusive, recebe orientações sexuais, o que acho muito importante. Sei que eles explicam a respeito do uso de preservativos, gravidez e outros temas, o que eu nunca tive coragem de falar com a Josi. Sempre senti receio de que ela me interpretasse mal ou comentasse com estranhos. O que eu falo com ela é no sentido de alertar, de fazer com que ela tenha cuidado com pessoas que não conhece.”

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