sexta-feira, 1 de junho de 2012

A trilogia erótica de E.L. James quebra o tabu e faz sucesso entre as leitoras


Só para mulheres 

Os homens sempre foram o público dominante da literatura erótica. Até pouco tempo atrás, reinava o tabu segundo o qual as mulheres não podiam ler histórias picantes, muito menos escrevê-las. Durante o século XX, autoras como Anais Nin, Marguerite Duras e até a brasileira Cassandra Rios expandiram as fronteiras da narrativa carregada de travessuras sexuais, e arrebataram milhões de leitoras. Mas o consumo desse gênero de entretenimento sempre se deu às escondidas, em especial entre as mulheres. Nos últimos meses, as leitoras têm ampliado o campo de ação do erotismo feminino, pelos blogs de fan fiction, um tipo de exercício criativo que parte de uma determinada obra de que a leitora gosta para apimentá-la de cenas eróticas. As redes sociais completaram o serviço. Por causa das mulheres, o mercado vive o renascimento dos livros eróticos consumidos de forma quase tão rápida quanto são escritos.
Se faltavam uma autora e uma obra que coroassem a moda, elas acabam de chegar. A trilogia Fifty shades of Grey, livro de estreia da britânica E.L. James explodiu em vendas na internet, e, no início do mês, o primeiro volume atingiu a primeira colocação da lista de e-books do jornal The New York Times. Os outros dois – Fifty shades darker e Fifty shades freed – seguiram a tendência. Na última semana, os dois títulos ocupavam segundo e terceiro lugares da lista combinada de e-books e impressos do jornal. Os três volumes venderam 250 mil cópias nos Estados Unidos.
A trilogia foi lançada no final de 2011 por uma obscura editora australiana chamada Coffee Shop. Os direitos de publicação da obra nos Estados Unidos acabam de ser arrematados após um concorrido leilão pelo poderoso selo Vintage Books, da editora Knopf Doubleday. A tiragem inicial, prevista para 17 de abril, será de 750 mil exemplares. Os principais estúdios de Hollywood disputam os direitos de filmagem da história. Repesentantes da Sony, Warner e Paramount  sonham em reviver o sucesso do filme 9 ½ semanas de amor, de 1986 - e se reuniram na semana passada com a autora e sua agente Valerie Hoskins.
O sucesso arrancou do anonimato E.L. James, uma discreta ex-produtora de televisão, mãe de dois filhos, casada, moradora de Londres. Ela começou com fan fiction da saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer, intitulado Master of the Universe. Como é hábito nesse tipo de ficção, ela imaginou uma versão sexualmente explícita do romance da humana Bella e do vampiro Edward. A influência de Stephenie Meyer em Fifty shades of Grey é tão evidente que a trilogia tem sido chamada de Crepúsculo para adultas e "mommy porn" (pornô da mamãe). Na realidade, porém, a história  não passa de um "bad porn", pornografia canhestra com direito a todos os lugares-comuns típicos do gênero, espalhados em mais de  ml páginas. 
A narradora é a virgem Anastasia Steele, estudante universitária de Letras que, aos 22 anos, encontra o bilionário Christian Grey, de 27. Eles se apaixonam à primeira vista. Ela quer se entregar, mas ele a obriga a assinar um documento com regras de conduta do relacionamento. Entre elas, permanecer em cárcere privado,  tomar banho todos os dias, fazer ginástica quatro vezes por semana e aceitar um catálogo de atividades sexuais sadias, que só não incluem sadismo, coprofilia e bestialidade. Anastasia, ouvindo sua  "deusa interior" que sempre a aconselha, assina o documento, e assim dá início a suas peripécias sexuais. Em uma espécie de apologia pós-moderna à submssão feminina temperada de pequenas perversões, Grey a transforma em mulher, ao passo que Anastasia aceita os jogos sexuais dele  para suavizá-lo até convertê-lo em macho dócil. O processo de domesticação do casal não tem entusiasmado a crítica americana, que, em geral, não se digna em resenhar literatura pop. Mas há otimistas, como Lisa Swharzbaum, da revista popular Entertainment Weekly  "O livro tira proveito da portabilidade dos e-readers e tablets, que suscitam a leitura discreta", diz ela. "Santa porcaria! A leitora corre o risco de se distrair e perder o ponto de õnibus." O livro virou assunto nos Estados Unidos, especialmente em Nova York, onde é discutido em rodas de amigas e programas de televisão.
Muitas são as especulações sobre os motivos que levam as mulheres a consumir atualmente mais que os homens esse tipo de literatura. Para a escritora Heloísa Seixas, a reação feminina exagerada faz parte do mundo novo da internet. "É o reflexo do do fim da privacidade", diz. "No exibicionismo geral, as pessoas anseiam em mostrar sua intimidade em público, e consumir furiosamente a intimidade dos outros."
As mulheres levaram muito tempo para se expor e tomar coragem de falar e ler abertamente sobre sexo. "A procura por pornografia é mais comum nos homens, e a sociedade tolera mais esse hábito nos homens do que mulheres", afirma Paulo Canella, professor de ginecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Por isso também é mais fácil para o homem admitir." 
Segundo Nilza Rezende, autora de livros eróticos, as mulheres hoje venceram os preconceitos e tomam coragem para falar sobre seus desejos e as necessidades de seus corpos. Estão mais interessadas em sexo que os homens, e isso determina novos hábitos de leitura. "Elas vivem mais intensamente o sexo que os homens", diz Nilza. "A instabilidade das relações amorosas as leva a tentar resolver suas dúvidas amorosas na cama – e, quando não conseguem, na leitura de livros eróticos. Elas são diferentes dos homens porque querem falar sobre o assunto." 
Outra diferença em relação ao público masculino é o tipo de excitação que as leitoras buscam em um romance. "O homem considera erótico o aspecto genital, enquanto a mulher valoriza o caminho que produz a excitação e permite o sexo", diz o sexólogo Oswaldo Rodrigues Jr. "A pornografia sempre foi feita para homens, e o caminho romântico foi feito para mulheres. A leitura permite fantasiar o caminho romântico para as mulheres que desejam o sexo como objetivo. Para os homens, a literatura é algo que demora muito para chegar ao objetivo coital."
A meta primordial das leitoras de Fifity shades of Grey pode ser o romantismo. Mas não é a única. Donas de casa americanas afirmam que o livro de E.L. James ajudaram a melhorar suas vidas conjugais. É o caso da nova-iorquina Michele Yogel, de 33 anos. Ela devorou a trilogia só parando quando tinha de levar o filho para a escola. "Não consegui parar", disse ao jornal The New York Post. "O livro está revitalizando o casamento e a vida sexual de todo mundo no Upper East Side."

LAGiron

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