segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O que o Viagra não resolve


06/02/2012 | EDITORIAL
O tratamento da disfunção erétil à base de citrato de sildenafila pode ter um efeito colateral perigoso para o homem, que é torná-lo ainda mais displicente com a saúde
Notícia publicada na edição de 06/02/2012 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 3 do caderno A - o conteúdo da edição impressa na internet é atualizado diariamente após as 12h.
Patenteado em 1996 pela empresa farmacêutica Pfizer e vendido no Brasil a partir de 1999, o Viagra (citrato de sildenafila) tem sido apontado, frequentemente, como agente de uma revolução na sexualidade masculina - e, por consequência, na vida sexual e afetiva dos casais -, ao combater com grau de efetividade bastante satisfatório (estudos otimistas falam em 80% dos casos) um dos problemas que afligem os homens desde tempos imemoriais: a dificuldade de conseguir ou de manter uma ereção. 

Para uma sociedade acostumada a buscar soluções mágicas nas farmácias, não poderia ter havido notícia melhor. De repente, anos de pesquisa sobre as causas físicas, psíquicas e comportamentais da disfunção erétil e calhamaços de estudos sobre sexualidade humana foram colocados de lado, pois a solução se apresentou - a custos elevadíssimos, é verdade - na forma de algo que não exige altas reflexões existenciais nem mudança de hábitos ou atitudes. Basta ingerir a já icônica pílula azul e esperar os resultados.

É indiscutível a importância do Viagra, e o uso do termo revolucionário, embora um pouco exagerado, não parece propriamente injusto para um medicamento capaz de oferecer uma resposta rápida e satisfatória para problema tão aflitivo. O Viagra prolongou a vida sexual do homem de maneira relativamente segura e o tornou mais confiante, poupando-o dos sofrimentos causados por aquilo que os estudiosos chamam de "síndrome da performance" - em outras palavras, o medo de falhar.

Não se deve perder de vista, no entanto, que a disfunção erétil pode ser decorrência de problemas de saúde mais ou menos graves, que os homens tendem a negligenciar totalmente na medida em que seja possível contornar seu efeito mais inconveniente, a impossibilidade de manter relações sexuais, com a ingestão de uma pílula. 

No momento em que a versão genérica do fármaco torna o tratamento mais barato (como registrou o caderno ELA, deste jornal, na sexta-feira passada), é importante que a população seja alertada sobre aquilo que o citrato de sildenafila não resolve. O Viagra e seu genérico não são - nem pretendem ser - uma resposta global para os problemas físicos, psicológicos e comportamentais que estão na origem da impotência sexual masculina.

O ser humano e seus parentes primatas são os únicos que não possuem próteses naturais de osso, tecido fibroso ou cartilagem para manter o pênis ereto, revela o interessante livro da jornalista Sílvia Campolim, "O Sexo Depois do Viagra" (Ediouro, 2005). "O mecanismo que permite ao órgão masculino expandir e retrair em presença de um desejo real ou fantasia erótica é um prodígio de engenharia hidráulica", destaca a autora. O cérebro, o sistema cardiovascular e o sistema nervoso central estão diretamente envolvidos nessa delicada engenharia.

A pesquisadora prossegue: "As artérias que participam do processo, drenando e retendo o sangue dentro do pênis são finíssimas, têm mínimos 0,4 milímetros de diâmetro, portanto, muito vulneráveis a danos." Doenças cardiovasculares, diabetes, alimentação inadequada, uso de medicamentos, consumo excessivo de álcool e de cigarro, associados ou não a fatores psíquicos como ansiedade e estresse, interferem em maior ou menor grau na irrigação sanguínea e nos mecanismos que retêm o sangue no interior do pênis, assegurando a ereção. 

Mesmo com seu benefício inegável, o tratamento da disfunção erétil à base de citrato de sildenafila pode ter um efeito colateral perigoso para o homem, que é torná-lo ainda mais displicente com a saúde. Para uma vida verdadeiramente saudável, não basta tomar a pílula azul. É preciso buscar a saúde física e mental com um estilo de vida diferente, longe dos vícios e exageros tão comuns no homem de hoje. Essa sim - a busca da saúde integral -, seria uma grande revolução.

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