terça-feira, 24 de maio de 2011

14/05/2011 - Será que existe mesmo vício em sexo?

14/05/2011 -
Será que existe mesmo vício em sexo?

Frank Thadeusz

Charlie Sheen durante apresentação de seu "Violent Torpedo of Truth" em Nova York; ator seria viciado em sexo
O vício em sexo é cada vez mais visto como uma doença das massas como o alcoolismo, que exige tratamento, especialmente nos EUA. Grupos de auto-ajuda também estão começando a se formar na Alemanha. Muitos psicólogos, contudo, acham que é uma condição inventada por conservadores moralizantes.

Crystal Renaud começou a se masturbar com regularidade aos 10 anos de idade, depois de encontrar uma revista pornográfica no quarto do irmão mais velho. Como diz Renaud, ela passou os seguintes oito anos da vida buscando material saliente na Internet.

O resgate veio na forma de um campo de férias cristão descoberto pela mãe. “Descobri Jesus e entendi que ele estava me mostrando um caminho diferente”, diz Renaud.

A jovem norte-americana, com mechas cor de rosa no cabelo e esmalte preto, está se tornando uma espécie de símbolo –em dois aspectos. Suas fãs adoram Renaud porque ela ousou chamar para si algo que antes era reservado aos homens como o ex-presidente Bill Clinton, o astro do golfe Tiger Woods e o ator Charlie Sheen: o direito de ser viciada em sexo.

Desde sua conversão, porém, Renaud parece uma dessas donas de casa que faz cruzadas para banir até os Beatles das prateleiras das casas. Ela levou sua cruzada moral para palestras e campus universitários. Sua mensagem lembra as tiradas de ultraconservadores e fundamentalistas cristãos enquanto reúnem tropas para combater a última batalha no Monte de Vênus.

O número crescente de grupos de auto-ajuda para vício em sexo é um indicador de quanta influência a direita religiosa tem sobre os EUA. Organizações como Addicts Anonymous e Sex and Love Addicts Anonymous que agora tem uma filial na Alemanha, são permeadas de ideias profundamente conservadoras e veem as atitudes liberais em relação ao sexo e aos relacionamentos como nada além de doença.

Os pioneiros do Sexaholics Anonymous advertem: “O desejo sexual é um sentimento desgovernado que nos leva a abusar de nós mesmos, dos outros ou dos objetos para propósitos destrutivos e egoístas.”

O Sexaholics Anonymous defende um programa de 12 passos com base no programa dos Alcoólatras Anônimos.

Crystal Renaud diz que hoje está “limpa”, levando uma vida abstinente e dividindo o apartamento apenas com seu cão.

Especialistas, porém, montaram uma oposição à nova geração de cruzados anti-sexo. Será que o “vício em sexo” realmente é uma doença que requer tratamento, como o alcoolismo? Tal doença existe?

“Missionários”

“Eles fazem algo que muitas vezes está dentro dos limites razoáveis do comportamento sexual se tornar uma doença”, diz o psicoterapeuta Marty Klein. Em seu livro recentemente publicado “America’s War on Sex” (em tradução livre: a guerra ao sexo nos EUA), Klein ataca os guardiões da moralidade.

“A agressão, o desejo de poder e demandas ávidas por prazer fazem parte da sexualidade normal”, diz Klein. Referindo-se aos seus adversários pudicos, ele diz desmerecedoramente: “Essas pessoas são missionárias que querem colocar todos na posição de papai e mamãe”.

Como os radicais não têm outra solução além da abstinência para os supostamente viciados em sexo de suas congregações, alguns cientistas também estão começando a se revoltar. Eles argumentam que o desejo sexual faz parte de um ser humano saudável e que não há nada de patológico nisso, nem mesmo em sua forma exagerada.

Mais de um século atrás, o psiquiatra Richard Von Krafft-Ebing descreveu os sintomas de uma libido hiperativa em termos relativamente drásticos em seu trabalho “Aberrações da Vida Sexual”. O acadêmico escreveu que a “sexualidade patológica é uma praga terrível para sua vítima, que vive em perigo constante de violar as leis e a moralidade, ou de perder a honra e a até a vida”.

Para sua coleção de “perversões e anomalias”, Krafft-Ebing aparentemente teve fontes ilimitadas. Por exemplo, falando do caso de “P., zelador, 53 anos”, o psiquiatra escreveu: “Durante o coito, ele era ‘animalesco, completamente selvagem, tremia e rosnava’, de forma que sua parceira meio frígida ficava enojada e entendia o ato como um dever conjugal e um martírio”.

Krafft-Ebing tinha explicações miraculosas para os motivos das pessoas com distúrbios sexuais: “A influência da raça, estações e até do tempo têm tanto papel aqui quanto o uso de estimulantes”.

Critérios vagos

As visões de especialistas no campo não melhoraram muito desde os tempos do austro-germânico Krafft-Ebing. A maior parte dos alemães vê a suposta agonia do vício sexual como um distúrbio inventado. “Mesmo entre os terapeutas que se especializam no tratamento de problemas sexuais, não há quase consenso sobre como diagnosticar o vício em sexo”, diz Peer Briken, diretor do Instituto de Pesquisa Sexual e Psiquiatria Forense do Hospital da Universidade de Hamburgo.

Como os critérios diagnósticos são vagos, ou totalmente ausentes, os especialistas alemães se recusam a adotar a mais recente diagnose americana. Dos 43 especialistas que Briken reuniu para o estudo, 36 estão convencidos que o vício em sexo não é um distúrbio independente.

Para os psicólogos, o dilema começa com a definição de um nível crítico. Isso não é difícil com o álcool. Uma pessoa que bebe uma garrafa de bebida destilada por dia provavelmente deve sofrer sérias consequências à saúde com o tempo.

Será que sexo demais é nocivo à saúde?

Mas será que sexo em demasia também é nocivo? O corpo humano pode lidar com uma dose de meia dúzia de orgasmos por dia sem sofrer efeitos negativos.

Ainda assim, os apologistas do conceito de vício em sexo ainda tentam definir um número específico de orgasmos como indicador do desejo sexual patológico –um limite arbitrário, em geral definido inteiramente em comparação com valores médios.

Em 1948, o pesquisador do sexo Alfred Kinsey, ainda livre de preconceitos morais, determinou o número total de orgasmos dos cidadãos norte-americanos alcançados em uma semana por masturbação ou ato sexual. O número médio ficou entre um e três vezes por semana. Os valores mais altos foram entre os homens com menos de 30 anos, que atingiam o clímax pelo menos sete vezes por semana, em geral pela masturbação.

De acordo com estudos mais recentes, que corroboram os resultados de Kinsey, entre 5 a 10% dos homens americanos atingem o clímax sete vezes ou mais por semana.

“Se falam qualquer coisa acima de seis, meus ouvidos ficam atentos”, diz Martin Kafka, psiquiatra da Escola de Medicina de Harvard. Com precisão aparentemente científica, Kafka define um viciado em sexo como alguém que tem ao menos sete orgasmos por semana por um período de seis meses e passa “uma ou duas horas por dia em tais atividades”.

Kafka acrescentou mais alguns critérios à sua lista. Ele agora classifica como patológicos os indivíduos cujas fantasias sexuais e comportamentos são: tão trabalhosos que mal conseguem encontrar tempo para outras atividades e obrigações não sexuais; ocorrem como reação à ansiedade, mau humor e tédio ou repetidamente em resposta a eventos irritantes.

Kafka, ao menos, acrescenta a seguinte advertência: “O comportamento hiper-sexual excessivo sem sofrimento pessoal não pode ser caracterizado como patológico”. O fator crítico, de acordo com Kafka, é a pressão psicológica associada com o desejo sexual excessivo.

“Isso não forma um quadro clínico”

“A questão da tensão psicológica é um argumento bastante fraco”, diz o pesquisador de sexo Briken. “Imagine que você seja uma pessoa sexualmente aberta, mas está com alguém cheio de pudores. Então, é claro que você rapidamente fica tenso psicologicamente. Mas isso não forma um quadro clínico”.

O conceito do vício em sexo também é visto com grande ceticismo entre especialistas nos EUA. A Associação Psiquiátrica Americana está atualmente desenvolvendo uma nova versão de seu “Manual estatístico e diagnóstico de distúrbios mentais”. Até agora, a APA recusou-se consistentemente a incluir a suposta aflição do vício em sexo como categoria diagnóstica em seu manual.

O tratamento dos adictos em sexo está principalmente nas mãos de não profissionais, diz o autor Marty Klein. Em muitos casos, eles são ex-viciados em drogas e álcool que escolheram a recuperação da adição como seu princípio de vida.

O voto que os viciados devem recitar ao entrar para a Sex Addicts Anonymous exemplifica suas atitudes algumas vezes questionáveis: “Admitimos estarmos impotentes diante de nosso comportamento sexual adicto –que nossas vidas se tornaram impossíveis de administrar. Acreditamos que existe uma Força maior que nós mesmos pode nos restaurar a sanidade”.

Para os viciados em sexo anônimos, o que soa como um trecho de um romance religioso de terceira qualidade é um primeiro passo vital em uma vida sem o sexo perturbador e a masturbação vexatória.

Pesquisadores sérios do sexo não têm nada além de escárnio para as declarações para chamar a atenção de pessoas como a atriz Lindsay Lohan, cujas tendências ninfomaníacas foram descritas ao vivo para a câmara por um antigo amante: “Fazíamos sexo como coelhos”.

Outra fonte de diversão entre os especialistas no caso é o jogador de golfe multimilionário Tiger Woods, que se internou no Centro Comportamental Pine Grove em Hattiesburg, Mississipi, para tratamento de sua propensão desastrosa de ter dezenas de casos extra-maritais com várias mulheres.

A clínica para tratamento de vícios, com jardins que parecem parques, dá a sensação de um hotel cinco estrelas, onde um grupo seleto de pacientes degusta aperitivos na piscina e se reúne em chalés para sessões em grupo.

Os pacientes que necessitam de terapia em geral passam seis semanas na clínica. Os viciados em sexo praticam ioga ou formam “grupos espirituais”. Banhos de lama presumivelmente alcançariam o mesmo resultado –ou seja, nenhum.

Há um tratamento para isso

Apesar dos curandeiros nefastos da cura do vício em sexo, a crença neste suposto distúrbio e em seu tratamento espalhou-se para os mais altos escalões políticos nos EUA.

Em vários eventos públicos, o ex-presidente dos EUA Gerald Ford atacou seu sucessor Bill Clinton. “Ele não perdia uma saia bonitinha em nenhuma ocasião social”, disse mais tarde o republicano a um jornalista, e prontamente deu seu diagnóstico: “Ele é doente –ele tem um vício.”

A mulher de Ford, Betty, que fundou sua própria clínica para alcoolismo em 1982 após uma batalha contra o álcool, ofereceu seu conselho: “Você sabe, existe tratamento para esse tipo de vício”, disse ela.

Os defensores do modelo da clínica estimam que entre 3 e 6% da população sofre do vício compulsivo em sexo. Só na Alemanha, isso significaria que até cinco milhões de pessoas passam o dia todo, da manhã à noite, pensando em uma única coisa: sexo.

Seria ruim para a economia?

Em palestras e mesas redondas, Crystal Renaud também insiste que ela é “uma em milhões”. Em seu site ela vende camisetas com a imagem de uma mulher com a boca fechada com fita adesiva e as palavras: “Quebre o silêncio”. A ativista acredita falar em nome de um futuro movimento quando diz: “A pornografia não é boa!”

Reanud não tem o apoio da maior parte do sexo feminino, segundo os estudiosos. De acordo com o pesquisador Briken, “as mulheres agora podem obter o tipo de pornografia no mercado que também as excita e que certamente é gratificante”.

Tradução: Deborah Weinberg
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2011/05/14/sera-que-existe-mesmo-vicio-em-sexo.jhtm

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